14.10.16

amorfo

Eu tenho o eco da vida nos olhos e tenho
Um milhão de melodias
Que andam comigo em câmera lenta
Tenho em mim
A riqueza dos planetas
O formato do diamante eu tenho
E tenho a história dos monges eu
Tenho a vivência de poucos e tenho
Ouro na minha saliva

Você tem o oco que a gente
Preenche com a minha voz você
Tem o nós que eu criei com os meus
Calos de artista

Eu o amei amorfo
Pra compor sua história dentro da minha

Ilustração por Fernando Cobelo.

baú

Talvez o que mais doa em uma escala
Não-numerada
Seja um pouco do que eu senti hoje
Talvez o que eu sinta seja a evolução dos
Dedinhos nas portas
Da canela na quina
Talvez seja a acidez do estômago elevada à
Vergonha de estar nu no maracanã
Talvez tudo isso doa
Um pouco do que eu senti hoje

Não está para um tiro na perna e antes fosse
A dor parece
Uma descoberta de que você entendeu a vida toda errado
Um monólogo de um protagonista substituto sem
Carisma

Uma farpa no olho e ainda seria
Uma dor melhor do que a de hoje

[Passa]

dezenove

Hoje eu dormi pra esquerda e foi assim
Que uma pedra tocou na outra
Veio a lembrança e a gente não sabe muito bem
Como isso acontece mas
Vieram os dias que eu voltava
Com purpurina nas mãos tilintando moedas
Na fila da padaria junto a pessoas de vidas mais extensas
Amores bem vividos e cartões para bater na hora certa
De gente que trabalha aos domingos
Vinha bambeando em minhas botas desejando ter
Um corpo apenas para me apoiar um corpo de voz baixinha pra
Telefonar e saber se cheguei em casa bem e eu acordaria só
Pra dizer que sim, ensaiaria até mesmo um
Cheguei, meu bem
Pra que ele dormisse tranquilo com meu perfume entre os dedos

Hoje eu dormi desse jeito que evocou alguma coisa e 
Foi assim que veio um frame daqueles dias
Que eu voltava pra casa na hora da missa dos meus 
Vizinhos e tirava os sapatos ainda no asfalto eu
Não tinha esse discernimento eu nunca
Tive paz
Era tempo de ter muitos amigos, eu tinha
Era tempo de achar que um último amor era
Realmente o último
Era tempo de deixar minha mãe preocupada com os ônibus
Que eu pegava com as companhias que eu cismava que eram gente finíssima
Amizade duradoura desde o fim de semana retrasado

Eu dormi sem saber se fui feliz ou triste e realmente
Não saberia fazer essa conta mas despenquei
Como dormia de volta pra casa nos taxis
Com a tranquilidade e a melancolia de quem ainda tem
Três quartos de século pela frente

Eu só não tenho dezenove anos