21.11.22

as músicas nos meus táxis são sempre tristes

 as músicas nos meus táxis são sempre

certas

as músicas nos meus táxis levam emoções

passageiras e estridentes

as músicas nos meus táxis me cobram

bandeira dois

as músicas nos meus táxis me fazem encostar

a cabeça no vidro

me fazem encostar

em memórias que eu não queria

as músicas nos meus táxis são sempre

dessas

momento reviravolta de filme

as músicas nos meus táxis são sempre

tristes

e bonitas

e tristes -

não importa como elas soem.


semana

Uma amiga minha, alemã, trocava algumas palavras em seu português recém-aprendido:

- Comi algo que estava mau.

Teve uma vez que ela disse, para descrever um lugar que era ruim:

- Era um lugar muito mau.

Ela não fazia ideia que o verbete, colocado desta forma, tinha esse tom tão negativo. "Mau" pesa qualquer frase, repare só. "Mau" para nós, nativos da língua, é quase carro-chefe do grupo de palavras de "vilão", "maldoso" e "cruel". Para a Lena, era só uma palavra. E a que mais se entendia e funcionava. Faz todo o sentido do mundo sua confusão semântica, já que "mau" e "ruim" são, ambos, antônimos da mesma palavra: bom.

Em homenagem - e como uma espécie de registro em licença poética pra Lena -, vou utilizar o mau pra escrever um pequeno desabafo.

Olha: foi um ano mau. Falta uma semana para o meu aniversário, e só consigo pensar: que força é essa e de onde chegou esse pacote pra mim? Como eu consegui contornar acontecimentos maus e extrair o melhor deles? Como estou de pé ainda? Como enterneci, se era pra eu ter virado uma pessoa mau depois de sucessivas desgraças?

Acho que é isso que chamam de aprendizado. A vida não pode ser mau. A vida não pode dar errado. É só a existência colocando fermento - e até beleza - nos pedaços cruciais, nos elos que dão sentido a todo o roteiro.

"Existence cannot go wrong." - Osho

vantagem de ser uma mulher comum

Eu quis ser a bonita das bonitas e nesse caminho
Que está mais para um cruzamento eu errei
A mão
Decidi que o reconhecimento no olhar do outro seria um medidor
Dos meus maiores feitos do meu maior valor
Nesse caminho de ser a bonita das bonitas eu me tornei insensivelmente
Comum

Ser mais do que um elogio
Do que um rosto bem sucedido na genética ser mais
Do que um destaque em uma foto de grupo
Eu quero ser mais até
Que uma referência de algo bonito
Algum padrão que alcancei sem nem saber
Dentre os outros todos que quebrei sabendo
Que estava infringindo
Leis intocáveis

Eu quero ser mais do que o patinho feio que
Descobriu seu melhor corte de cabelo
Quero ser admirada por ser segura de todos os meus
Jeitos e em todos os meus humores
Quero que digam que não estou bonita
Pra que eu possa responder que mando em meus olhos e
Ouso
Me ver bonita diante de todos os outros olhares
Reinar em meu reino
Ser meu próprio padrão

Pra ser a bonita das bonitas basta
Mudar de referencial





amor fati

Escrevam em minha lápide que eu pude
Escrevam em minhas têmporas e antebraços eu
Pude:
Vivenciar o que Nietzsche chamou de amor fati
Em momentos de suspensão do querer
E dos problemas ínfimos
Apenas contemplar o que foi aprendido até aqui o que foi
Curtido e maturado até aqui
A grandeza do viver pelo viver

Eu vi a beleza da vida na melancolia que pesa
Minha cabeça contra a janela do trem
Vi a beleza escondida e pude
Amar todos os fados

"Querer ser, algum dia, apenas alguém que diz sim"

Atestem em meus dentes e ossos que é
Um caminho sem volta


"Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá -lo (...) mas amá-lo..." - Nietzsche