21.6.16

poeira de estrela

Batata frita pra dois. Refrigerante em refil. Sal pra ele, mostarda pra ela.

Sentei-me no restaurante ao lado do casal. As mesas eram tão próximas que era quase impossível não mergulhar nas histórias de vida, viagens, debates, na sordidez dos detalhes, no golinho do milkshake, fecha-a-conta, beijinhos de despedida. Todos perto, como em uma grande mesa de natal, parentes distantes e vizinhos cujos nomes não lembramos.

O casal era agora meu ouvido direito. Meu pé direito, o furinho na manga direita do casaco. Colei mais perto do que gostaria.

Tentei pensar no curso que acabara de fazer, na programação do dia, mas me vi imersa naquele casal por pelo menos duas horas.

Ela falava, ele ouvia.

Ela contava histórias longas, ele assentia.

Com sorte, ela punha um "né?" ao fim da frase  - dava tempo de ele murmurar e sorrir com os olhos.

O hambúrguer era dele, o vegetariano era dela.

Ele era dela, também. Cada milímetro de seu ser dedicado àquela existência; devoto ao relato de sua ida à copiadora, ou à casa da avó, ou do seriado que começara a assistir sozinha.

Brincaram de sério, perderam juntos, rodadas a fio. Desempataram quando ela testou uma cara esticada de "plástica". Ele riu bastante alto. Pude ouvir sua voz, acho que pela primeira vez, já em minhas últimas batatas fritas.

Ela pagou a conta. Dinheiro do estágio. Ele estalou um beijo em sua testa. Passos ruidosos e braços longos, de ombro a ombro, naquele andar conjunto de quatro pernas.

Fiquei órfã naquele instante. Espreguicei o corpo. Em um espaço estranhamente amplo, pude me perguntar se era ela a estrela do casal. Ou se era, ao menos e por que não, o dia dela de brilhar naquela constelação de dois.

O amor é esse presenciar, silencioso, do nascimento de uma estrela.
A admiração e o sentimento de sorte.
A constatação de estar rico por dentro, abastado, invencível.

Digeri. Paguei e fui embora a pé, desnorteada. Comi essa poeira.

No céu de quem a gente brilha?