8.6.15

orgânico

Aquela fotografia que se foi, como era
Que alguém a encontre e guarde
Embaixo de um copo
Que alguém nos rabisque os dentes e olhos
Que ela possa tingir o humor
Ou amor
De algum outro casal

Aquele retrato que está em caçambas
Em escombros
Que o lixeiro o guarde e mostre
À esposa e filhos
Que possam eles mesmos pensar
Ou sentir
São tantos, pai
Os amores biodegradáveis

Aquele retrato que a gente guardava
Dentro de um livro que a gente
Não lia
Naquela estante que a gente
Não limpava
Fez o dia de alguém mais bonito
Fez um quebra-cabeça
De memórias
Junto às Ruffles e ao papel toalha
Manchado de sugo e óleo
Fez a gente sentir falta

Que caia na mão de Fridas, calos
Que caia na mão de Fernandos, pessoas
Que caia na mão de artistas ou quase
Pra ficarmos vivos em figura e forma
Em mente e ideia
Inspirando
Poeira

Que vire escultura, poema
Espetáculo de curta temporada
Que pare nas mãos certas
Se possível
Nas nossas
Para sabermos da angulação
De nossos sorrisos
Da precisão dos nossos
Corpos
De como éramos e como
Somos

Beleza itinerante
Em sacolas de lixo