25.7.12

epifania

"Foi nessa cozinha que eu tive o primeiro baque: ver você comendo com as mãos. Talvez esse tenha sido o momento em que eu me desapaixonei de primeira viagem, primeira porque depois dessa houve muitas outras viagens; a gente se apaixonava e desapaixonava semanalmente em epifanias próprias e muito complexas. Eu tinha essa questão com a comida: o barulho que a sua boca fazia quando você mastigava, o molho já seco no canto do sorriso, os dedos sujos de massa – o que foi que houve em sua criação para continuar comendo assim? Pelo amor de Deus.

O corredor, esse corredor, essas paredes. Quando se atrasava, saía como um touro, corredor adentro, corredor afora, voltando para buscar isso ou aquilo, em resmungos. Vez ou outra a gente acabava se encontrando, os corpos se encontravam sem jeito e às vezes até doía; já sem pressa, você ficava, e a gente bolava então uma desculpa qualquer pra você faltar aquele trabalho que você odiava, mais um dia, só mais um dia, eu juro, só mais uma semana. Claro que você permaneceu no emprego pra mais de ano. Você era assim, teimoso, e eu odiava quando você se descrevia como persistente. Sem eufemismos pra alguém que te conhece gripado, broxa, sem dinheiro e sem banho, por favor. A gente teve só o cru  um do outro e essa intimidade foi o que tanto nos afastou - ironia violenta.

Nas chaves da nossa porta, uma última epifania: a vontade que me dá de já deixar a porta aberta, cada vez que você sai, contando quantos minutos leva dessa vez pra você voltar. A gente não sabe nem brigar, a gente não dá pra casal, que piada; você sobe o lance de degraus com pés pesados, xinga, esquece que estou ali, e no dia seguinte somos só constrangimento, favores que nem foram pedidos, somos gentileza.

Acho que a maior epifania que se pode vivenciar é perceber que se está verdadeiramente ligado a alguém, invariável e inevitavelmente, até que a vida os separe."